Os Ilèkè – Fios de Contas no Candomblé

Os fios de contas são elementos importantes no mundo do candomblé. São como insígnias nos uniformes dos militares, ou melhor, são mais que insígnias, pois além de identificar antiguidade, posto, a nação a que pertence a pessoa, o orixá da pessoa, os orixás que a pessoa tem assentados, carregam poderosa carga de axé para proteção de quem os usa. O nome fio de contas não nos parece muito exato, uma vez que vários elementos podem vir a formar os ilèkè, e não somente as miçangas ou contas. Podem conter conchas, sementes, pedaços de chifres, corais, pedras e outros elementos.
Os ilèkè apresentam grande diversidade e marcam a vida do adepto do candomblé desde os primeiros momentos como abian até os seus rituais fúnebres. Eles recebem banhos de abô ou então de ervas, passam períodos no assentamento dos orixás correspondentes, e são colocados na pessoa que os recebe através de um ritual.
Ao abian são dados dois ilèkè de fio simples e comprimento até o umbigo: um de Oxalá e um de seu orixá, caso este seja identificado. Este fio de contas mais simples se chama inhã, e por ele se pode observar que uma determinada pessoa é abian, e qual seu orixá. É comum que candomblecistas de todas as idades de santo usem inhãs no seu dia a dia, fora das funções do barracão, como proteção e marca de sua ligação com o candomblé e seu orixá.
Os iaôs recebem o meji ou dilogun, que são vários fios longos, com o número variando de acordo com o orixá da pessoa, unidos por uma única firma, e que têm o comprimento indo até o umbigo do iaô. Em geral o iaô tem no mínimo dois mejis, um do seu eledá e outro de seu ajuntó, mas pode ter outros correspondendo aos orixás assentados durante a sua feitura. O mais longo será o do orixá dono de sua cabeça, assim pode-se observar pelos mejis que uma pessoa é uma iaô, e qual o orixá dono de seu ori.
Egbomis, ogans e ekedis podem usar fios de uma só perna, em que se intercalam firmas, corais ou outros elementos mais nobres, com as contas na cor de seu Orixá, e também ilekes contendo várias pernas unidas por firmas, corais etc. chamados oxibetá, e cujo comprimento também vai até o umbigo.
Os brajás são ilèkè formados por duas fileiras de cauris entrelaçadas de modo a formar um aspecto de escamas de cobra, e são usados para simbolizar a união entre esquerda e direita, masculino e feminino, o orun e o aiê, e a pessoa que os usa é um filho dessa união. Usados por filhos dos orixás da família de Oxumarê, dos voduns jêje ligados à terra, e muito usados como elemento constitutivo dos assentamentos destes orixás.
O lagdibá é um ilèkè feito de anéis de chifre de búfalo que marca aquele que o usa como um “filho do infortúnio”, é um ilèkè pertencente a Omolu e destinado aos seus filhos, a quem possua cargos ligados ao Rei da Terra ou tenha Omolu assentado. É visto com muito respeito e usado com muito orgulho dentro do candomblé, pois apenas ialorixás, babalorixás, ogans, ekedis e pessoas com cargo podem usar.

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foto: Lagdibá

Na nação jeje existe o hunjebê, que é chamado “a jóia da nação” e entregue aos vodunsis ao completar sete anos, é feito de contas terracota e corais em um número pré-determinado e individual, e fechado com segui, sendo o único ilèkè que acompanha o vodunsi em seu caixão fúnebre. Em algumas tradições não pode ser usado por ogans e ekedis, nem pode ser dobrado ou tocado por outra pessoa que não o seu dono.
Não só as cores e elementos dos ilèkè podem ser “lidos” por uma pessoa conhecedora do candomblé, mas a maneira de usar também: os abians, iaôs e egbômis filhos de orixás femininos usam seus ilèkè pendurados no pescoço, enquanto os filhos de orixás masculinos podem também usar cruzando o peito.
De grande importância também é o momento em que o ilèkè se rompe. Em geral a pessoa toma um susto e fica apreensiva, mas é um bom sinal. Significa que o ilèkè cumpriu a sua função ao receber uma carga energética forte, e se rompeu ao proteger o seu portador. Nesse caso a pessoa leva ao sacerdote as miçangas e elementos recuperados para ser refeito o ilèkè. Pode também simbolizar a passagem de uma fase, o que deve ser encarado como excelente notícia, pois no candomblé o tempo é o único validador da experiência e do conhecimento, e as fases superadas devem ser comemoradas com alegria.

Cores de contas e elementos de cada orixá, na nação Ketu:

Exú – cinza, ou rosada, ou multicolorida
Ogum – azul roial, azul marinho ou verde
Odé – azul turquesa ou azul celeste
Ossain – verde e branco, branca rajada de verde, verde rajada de branco
Omolu – contas rajadas de preto, marrom e branco, ou brancas rajadas de preto e vermelho
Jagun – contas brancas rajadas de preto
Oxumare – amarelas rajadas de verde ou de preto, ou verdes rajadas de amarelo
Iroko – verde e marrom, brancas rajadas de verde intercaladas com contas castanhas
Logun Edé – contas azul turquesa intercaladas com contas douradas
Oxum – dourado, ou âmbar
Iemanjá – contas transparentes brancas, cristalinas, azuis ou verdes
Oya – terracota, vermelho ou coral
Obá – cinco contas vermelho escuro, intercaladas com uma amarela
Ewá – amarelas rajadas de vermelho
Nanã – brancas rajadas de azul marinho
Xangô – vermelhas ou marrons intercaladas com brancas
Airá – brancas rajadas de vermelho ou marrom
Oxalá – branco, marfim
Oxaguian – contas brancas intercaladas com azul celeste ou seguis.

Em diferentes nações essas cores variam, entre os orixás, jinkice e voduns.

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